Aproximação do governo Lula com evangélicos, agronegócio e policiais pouco avança nos cem dias de governo
Avaliação é de especialistas e integrantes desses grupos ouvidos pelo GLOBO
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) completa cem dias dias nesta segunda-feira sem avanço significativo em medidas e acenos a segmentos da população brasileira que se aproximaram nos últimos anos do bolsonarismo, como evangélicos, policiais e empresários do agronegócio, considerados estratégicos por seu peso eleitoral, político ou econômico. A avaliação é de especialistas e integrantes desses grupos ouvidos pelo GLOBO.
No caso dos evangélicos, a principal iniciativa para uma aproximação, uma secretaria para diálogo com segmento na Secretaria-Geral da Presidência, não saiu do papel devido à resistência de líderes do PT. Antes mesmo de Lula assumir o cargo, logo após o segundo turno, a presidente do partido, Gleisi Hoffmann (PR), já sinalizou a desconfiança petista ao responder a uma fala do bispo Edir Macedo, líder da Universal, que defendeu que os evangélicos deveriam perdoar Lula. “Dispensamos o perdão de Edir Macedo”, rebateu.
Por outro lado, o governo e o PT acenaram à bancada evangélica no Congresso ao apoiar a indicação do deputado Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR), que é evangélico, para uma vaga no Tribunal de Contas da União (TCU).
Para o cientista político Vinicius do Valle, pesquisador do Observatório Evangélico, o governo avançou pouco no tema no período, mas há espaço para uma aproximação nos próximos meses. A última pesquisa Datafolha sobre a aprovação da gestão de Lula dimensiona a oportunidade. Embora só 28% dos evangélicos tenham classificado o governo como ótimo ou bom, índice menor que a população em geral, 42% acham que o governo fará um governo ótimo ou bom daqui pra frente. Além disso, 34% apontaram o governo Lula como regular no momento.
A avaliação é de que o momento é de acomodação e que o cenário ainda é próximo do observado nas eleições, após um processo de “demonização” do PT em meio a peças de desinformação na campanha. Pesquisas qualitativas do Observatório Evangélico têm apontado para uma busca por mais moderação no grupo, após os ataques de 8 de janeiro e o período em que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ficou fora do país. Essa população aguarda uma reação da economia para se posicionar e está carente de uma figura política que a represente diante da indefinição sobre o futuro de Bolsonaro, diz Valle.
— Essa reaproximação com Lula não precisa se dar em temas morais. Pode acontecer com a melhora de indicadores econômicos e programas sociais. Os evangélicos são o grupo religioso com maior proporção de famílias de baixa renda — aponta o cientista político. — Ao mesmo tempo, é um grupo que gosta de ver a questão da família e falas que remetem a Deus nos discursos. Incluir isso não gera um custo comunicacional para o governo, pelo contrário, gera aproximação. É possível um ajuste de comunicação que reflita que esse é um grupo que vem crescendo.
Uma manifestação de Lula nas redes sociais sobre o caso do massacre em Santa Catarina na semana passada pode indicar que há essa percepção. “Para qualquer ser humano que tenha o sentimento cristão, uma tragédia como essa é inaceitável, um comportamento, um ato absurdo de ódio e covardia como esse”, escreveu o presidente.
Já o agronegócio viu logo no início do governo retornos positivos com a melhora da imagem do país no exterior, em meio à sinalização do governo Lula com a preocupação ambiental. Mas há, simultaneamente, pontos que geram atritos.
Um deles é a divisão de atribuições caras ao setor antes unificadas no Ministério da Agricultura e Agropecuária e que agora estão em diversos ministérios, como o do Desenvolvimento Agrário e do Meio Ambiente. Órgão como a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a gestão da área de agricultura familiar e do Cadastro Ambiental Rural (CAR) foram transferidos para outras pastas.
Outro ponto que causa incômodo é a falta de posicionamento do governo sobre a recente ofensiva do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que retomou as ocupações de terras.
— Assim como a questão climática já gerou preocupação lá fora, as invasões de terra geram insegurança. Não há posição do governo, o que tem partido dos governos estaduais — afirma o presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abrag), Luiz Carlos Corrêa Carvalho. — Além disso, há uma série de comentários rançosos antigos, como se o agro fosse defensor de uma candidatura. A campanha acabou. É infeliz para um setor que carrega a balança comercial brasileira e dá estabilidade ao governo.
Os policiais também são foco de preocupação, mas não houve espaço para mirar em uma política de valorização desses profissionais. O ministério da Justiça e Segurança Pública, comandado por Flávio Dino (PSB), se dedicou no início do governo a lidar com crises, como os ataques golpistas, a intervenção federal na Segurança Pública do Distrito Federal, a emergência sanitária dos ianomâmis e os ataques do crime organizado no Rio Grande do Norte.
Dino se reuniu nos últimos dois meses com organizações que representam categorias das diferentes polícias para ouvir demandas. Antes de assumir, o ministro disse, em entrevista ao GLOBO, que recebeu de Lula a missão de se aproximar de policiais.
Para o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Lima, o governo ficou reativo a crises e não emplacou uma narrativa sobre segurança pública, o que só aconteceu momentaneamente no início da gestão com a revisão de medidas pró-armas do governo Bolsonaro. Por outro lado, em março, o governo relançou o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, com ênfase no combate ao feminicídio e no retorno da bolsa-formação para os policiais e guardas municipais, que prevê a concessão de um benefício mensal de R$ 900.
Para Lima, a valorização é mais ampla, porém, que um conjunto de ações e envolve revisitar as carreiras e diminuir distâncias entre topo e o piso das forças policiais, não só em salários, mas em termos de organização hierárquica.
— As condições que originaram o processo de radicalização das polícias continuam intactas nesses cem dias. O 8 de janeiro é uma ferida que não está sangrando, mas continua aberta e mostra que a gente não pode continuar levando a segurança como se fosse a soma simples da ação das polícias. Isso passa por uma legislação, que é federal, que acaba impondo condições de trabalho ruins para os profissionais — defende o pesquisador do FBSP.
A discussão no governo, porém, esbarra em outras prioridades legislativas. O foco hoje é a aprovação no Congresso de pautas estruturais na economia. O arcabouço fiscal e a reforma tributária foram elencados como agendas do governo Lula. O risco é o de uma reforma nas polícias e a pauta da segurança ser protagonizada pelo bolsonarismo.